Disciplina, diálogo e paciência. Há quatro meses, estamos vivendo uma vida completamente diferente. E muitas das mudanças com as quais foi necessário lidar vão marcar não apenas esse período de isolamento como poderão nos acompanhar quando for possível retomar uma vida um pouco mais parecida com a do mundo pré-pandemia.
O home office, por exemplo, veio para ficar, na opinião de Eduardo Ferraz, consultor em gestão de pessoas e autor de livros como Negocie Qualquer Coisa Com Qualquer Pessoa: Estratégias Práticas Para Obter Ótimos Acordos Em Suas Relações Pessoais e Profissionais (Planeta). “O que se espera do profissional daqui em diante é a flexibilidade, o jogo de cintura, a capacidade de se adaptar e de trabalhar por conta própria. E de se relacionar com a família trabalhando em casa”, diz.
Este é o momento, também, de arrumar a casa. Cuidar de si e do outro, buscar equilíbrio. “Embora estejamos em casa, temos muito mais estressores acontecendo do que o habitual. São ameaças financeiras, à saúde. Essas tensões podem ser canalizadas para ajudar a família a construir uma resiliência”, diz a psicóloga Daisy Emerich-Geraldo. “A ideia é cooperar, e, para isso, temos de falar do que precisamos e sobre o que esperamos. E precisamos ser tolerantes com o tempo do outro”, explica.
“Com o isolamento social, o que poderia não irritar tanto agora pode levar à perda da paciência com mais facilidade”, lembra a Monja Coen. “É aqui que entra a oportunidade de treinar, de conhecer a si mesmo. E o momento de praticar a paciência e criar harmonia”, diz.
Veja as dicas dos profissionais para tornar a convivência em família mais sadia, fortalecer as relações e ajudar a encontrar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Ensinamentos
Dicas para equilibrar trabalho e vida familiar
Por Eduardo Ferraz
Consultor na área de gestão de pessoas
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1 Tenha disciplina
Mesmo quem mora em casa ou apartamento pequeno deve ter um lugar separado, um quartinho, um banheiro transformado em escritório, para poder ficar concentrado e sem interrupção.
2 Melhore seus equipamentos
Quem presta serviço a distância precisa cuidar de todos os detalhes: iluminação, enquadramento, velocidade de internet. É inadmissível estar numa videoconferência com quatro ou cinco pessoas e uma delas ficar caindo toda hora, por exemplo.
3 Aproveite para se atualizar
Como estamos em casa o tempo todo e sobram o sábado, o domingo e às vezes algumas horas do dia, devemos nos atualizar. Estude. Há muitos bons cursos online. Faça leituras. Faça desse limão uma limonada para você estar mais preparado quando voltar o presencial.
4 Seja proativo
Não espere que o cliente ou o chefe façam uma proposta diferente. Proponha modelos e remunerações diferentes. Quando possível, uma remuneração atrelada a resultados, a projetos ou desempenhos. Isso pode fazer uma enorme diferença neste momento em que as pessoas estão com medo ou dificuldade de contratar.
5 Aprenda a se relacionar com a família trabalhando em casa
Tenha o horário da diversão – para ver um filme juntos, conversar, fazer as refeições – e depois volte ao estudo ou para o batente, como aconteceria no escritório. Aproveite o horário em que a criança está estudando. Esse equilíbrio vai ser o novo normal. Isso não é paradigma ou chavão. Esse novo normal veio para ficar. Esse espaço voltado ao trabalho em casa e essa disciplina para separar as estações e os horários vieram para ficar. Isso vai fazer parte da vida de muita gente daqui para a frente.
Dicas para manter a paciência
Por Monja Coen
Monja zen budista
NILANI GOETTEMS
1 A comunicação é o mais importante
Havia um monge de pavio curto, que era muito criticado por isso. Desesperado, procurou um meio hábil. Contratou um jovem para que lhe desse uma paulada sempre que perdesse a paciência. Entrou uma pessoa e falou coisas que o fizeram perder a paciência e esbravejar. O jovem deu uma paulada no monge, que disse: “Você bateu depois de eu haver gritado. É preciso pegar a raiva na hora que acontece, antes que eu faça uma cena”.
Veio outro visitante e o jovem, percebendo que o monge poderia ficar bravo, logo deu uma paulada. Mas foi muito cedo. Na terceira vez, o jovem acertou. O monge se acalmou. Naquele momento ele conseguiu se tornar dono de si e de suas respostas ao mundo. A partir desse dia, ele aprendeu a controlar seus humores.
Esta história é importante para que possamos perceber nossas emoções e escolher nossa resposta às provocações do mundo.
2 O caminho é o autoconhecimento
Observe suas mudanças de humor. Elas ocorrem simultaneamente com alterações respiratórias. Podemos controlar a respiração e quando a tornamos estável, profunda e sutil, as emoções desagradáveis passam. Perceba o que o faz perder a paciência – pode ser um gesto, um olhar, um suspiro, uma palavra. Não deixe que qualquer pessoa controle você dessa forma.
Perceba o mau humor se aproximando e respire suavemente. Apenas perceba o ar entrando, a caixa torácica se expandindo. Solte o ar bem devagar. Repita duas ou três vezes. Não grite, não brigue, não responda à provocação. Compreenda. Essa pessoa está precisando de atenção. Você pode mudar e transformar um círculo vicioso apenas com sua resposta inesperada. Nada de ficar triste, chorar, gritar, insultar. Respire.
Vá até a janela. Olhe para o céu, para a imensidão. Lembre-se que nada é permanente. Lembre-se das boas qualidades dessa pessoa ou das pessoas. Não exija que sejam como você gostaria que fossem. Olhe para você. Sente-se alguns momentos, todos os dias, em silêncio. Medite. Observe a si mesmo. Como fala, como age, como pensa. Deixe de julgar e condenar as pessoas. Deixe de dar tanta atenção às faltas alheias. Observe a si mesmo. Sorria por suas fraquezas. Sorria até mesmo para sua falta de paciência. Perceba quando falta e a chame de volta. Você pode.
3 Use meios hábeis
Todos estamos estressados, cansados e esgotados. Tantas notícias tristes, preocupantes. Muita pressão. Lembre-se de que este não é o momento de discutir a relação, de cobrar atitudes, falas. É momento de criar harmonia, de respeitar, de compreender e amar. Na casa em que o amor incondicional vive, a paciência se manifesta livremente. O amor deve ser cultivado. Se incomodar muito, vá para seu quarto, feche a porta, olhe pela janela. Aprecie o momento.
4 Crie harmonia em você, em sua casa, entre as pessoas com quem convive
Quando cuidamos dos outros, somos simultaneamente cuidados. Assim, procure a ternura e o carinho e os traga de volta à casa. Pratique a sabedoria profunda, o observar e ver claramente que todos estamos cansados, inclusive você. Mas que há uma casa, um cômodo, há uma ternura antiga, um novo dia. Aprecie sua vida onde está, como está e com quem está. Há uma música antiga: Love the one you are with. Ame quem está com você. Se conseguir, haverá harmonia e ternura. Cada dia será precioso e sagrado, cada instante, irrepetível.
5 Aprecie sua vida. Brigue menos. Ame mais
Cultive a paciência. Respire conscientemente. Sorria. Somos frágeis e também podemos ser macios e fortes. Fale mais baixo, esteja mais próximo. Perceba a necessidade verdadeira – sua e das pessoas com quem convive. Você já foi adolescente, lembra? Queira bem e acolha as pessoas com quem está convivendo. Agradeça. E viva cada dia com plenitude. Não será melhor quando acabar. Agora é o momento de ser excelente. Sua vida está aqui, neste momento. Leia um bom livro, ouça uma boa música e cante uma canção de amor.
Dicas para convivência em família
Por Deisy Emerich-Geraldo
Psicóloga e doutora em Psicologia Clínica (USP)
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1 A comunicação é o mais importante
Adote uma comunicação assertiva, em que cada um sinalize suas necessidades e limites. Famílias ou casais devem ter um espaço de conversa para falar sobre o que está funcionando ou não, para pensar em soluções de uma forma conjunta. Numa refeição, por exemplo, converse sobre os pontos altos e baixos daqueles dias. Mas cuidado com a forma. Troque expressões como “você não lava a louça” por “eu preciso de ajuda com esse tipo de tarefa”. Fale das suas necessidades e sentimentos. Valide a opinião e o sentimento do outro. Ofereça ajuda.
2 Divida problemas e sentimentos, seja tolerante
Famílias evitam discutir sobre dinheiro, e este é um assunto muito importante neste momento com tantos empregos ameaçados. Inclua também os filhos adolescentes mais velhos nesta conversa.
Aproveite o diálogo aberto e faça perguntas ao outro, e as responda. Quais mudanças positivas já notamos na nossa relação e o que elas nos ensinaram? O que podemos fazer para manter isso numa situação de maior flexibilidade? Peça ajuda, respeite o tempo do outro e aceite essa ajuda da forma que ela vier. Isso vai ajudá-lo a não centralizar tudo.
3 Tenha um momento para si e saiba a hora de sair de cena
É importante ter o momento do casal e da família, mas também um tempo para cada um usar como quiser. Faça um combinado com o parceiro: quando identificar que está irritado, sinalize que não quer conversar; e o outro deve respeitar. Esta é a estratégia de time-out. Saia de cena. Uma conversa em que uma das pessoas está irritada não vai focar na solução do problema.
4 Em casa com crianças e adolescentes
Traga os filhos para a conversa. Identifique os limites deles. Pergunte como imaginam que seria uma rotina ideal. Não se trata de atender a todas as expectativas do adolescente, mas de trazê-lo para pensar junto.
Tente manter a rotina das crianças menores, aproxime-as das atividades domésticas para que se sintam parte. Crie momentos da família, deixe a criança escolher uma refeição na semana. Acolha e valide seu sentimento. Envolva a criança no diálogo e planejamento da rotina familiar.
5 Quando a crise já se instalou
A pandemia aflorou muita coisa: o que estava bom e o que não funciona mais. Quando o casal se vê preso dentro de um mesmo ambiente, isso piora. Identifique se querem ficar juntos. Se não conseguem dialogar, uma ideia é procurar terapia de casal ou de família. Outra ideia é tentar encontrar o que poderiam, em conjunto, fazer para que a relação funcione um pouco melhor neste momento, para que haja mais equilíbrio, para que se sobreviva mais um, dois meses. Reavalie, em conversa, a cada semana.
Matéria extraída do jornal Estadão – link completo >> clique aqui <<
Texto: Maria Fernanda Rodrigues / Ilustrações: Marcos Müller
25 de julho de 2020 | 15h00