GUSTAVO COLTRI
O autoconhecimento é a chave principal dos candidatos para evitar erros nas escolhas profissionais, segundo o consultor de gestão de pessoas Eduardo Ferraz, autor do livro “Seja a pessoa certa no lugar certo” (Editora Gente, 2013). A reportagem do Estado conversou com ele sobre esse tema. Veja trechos da entrevista.
Como uma pessoa pode aumentar suas chances de identificação com o trabalho?
Existem muitos livros de autoajuda dizendo que você pode ser qualquer coisa, basta querer – e essa é a maior falácia. Na verdade, temos uma estrutura de personalidade para sermos bons em muito pouca coisa, então temos de saber o máximo do que somos realmente bons e procurar trabalhar em cargos, empregos, funções, empresas e negócios que têm a ver com a base da nossa personalidade. Um tímido, por exemplo, nunca vai ser extrovertido, não adianta querer treiná-lo para ser um palestrante. Agora, ele pode fazer bons treinamentos para, quando tiver de fazer uma apresentação de meia hora a cada mês, conseguir se sair razoavelmente bem. Em outras palavras, se você é tímido, seja tímido 99% do tempo, não há problema. Há trabalhos e empregos em que ser tímido não é defeito, é qualidade. Por isso, o candidato tem de se conhecer.
A insatisfação no trabalho decorre do baixo nível de autoconhecimento ou da falta de pesquisa sobre o cargo e a função?
As duas coisas. Primeiro, há um autoconhecimento baixo, aliado àquela conversa de a pessoa poder ser o que quiser. Ela fala: “O trabalho é bom, a empresa é famosa, o salário é espetacular. Eu me viro”. E, na maior parte das vezes, não dá. Aí vem a segunda parte da fórmula que resulta na insatisfação. A pessoa não estuda nada a respeito da empresa antes de se candidatar. Na prática, não sabe como é a personalidade do chefe ou os valores da empresa: trata-se de uma companhia que cobra muito, tem pressão e um ambiente ruim, mas que paga muito bem? Ou é light, paga menos, mas dá estabilidade? Autoconhecimento dá trabalho. Você tem de fazer testes, checar hipóteses, pedir feedback. Tem de conhecer seus pontos fortes de fracos, conhecer bem os seus valores e comparar para ver se o que a empresa está oferecendo tem a ver, primeiro, com o seu perfil e, segundo, para ver se os valores são minimamente compatíveis com seu jeito de ser.
Como identificar valores das empresas se elas sempre tentam passar imagens positivas?
Uma das primeiras coisas que faço quando dou consultoria para organizações é dizer: “Pare de seduzir”. Em uma empresa que atendi, a pressão por resultados era altíssima, o presidente gostava de ligar para todo mundo nos fins de semana, de madrugada, em qualquer horário. Na época, eu disse para ele: “Você vai ter de contar tudo isso na entrevista”. E ele me disse: “Não, você está louco! Assim, eu vou eliminar 80% dos meus candidatos” É isso mesmo. Só vai ficar quem não se incomoda com isso. Na verdade, os valores da empresa estão descritos na “rádio peão” do dia a dia, ou seja, no que as pessoas que trabalham lá falam. Como um candidato descobre isso? Conversando com as pessoas e perguntando nas entrevistas de emprego. Algumas questões são cabíveis nas seleções, como: “Que horas vocês chegam e saem? É normal trabalhar no fim de semana? Quanto tempo, em média, uma pessoa do cargo levou para ser promovida?”.
Perguntar também mostra um pouco de quem a pessoa é…
Claro, eu fico absolutamente estarrecido quando, durante uma entrevista, eu abro a possibilidade para perguntas, e a pessoa diz que está satisfeita, que não tem dúvidas. Eu fico impressionado quando ela me aperta: pergunta como é o cargo, quanto tempo demora para ser promovido e quais são os critérios para aumento de salário. A pessoa, no entanto, tem de se conhecer, senão as perguntas não servem para nada. Eu repito: a prioridade da vida de qualquer profissional dos 18 aos 60 anos deve ser o de se conhecer bem. Você dá um show em uma entrevista se votem uma noção clara de quem você é – quais são os seus pontos fortes, onde você vai mal, quais são as características estruturais da sua personalidade (dominância, ou submissão, introversão ou extroversão, paciência ou impaciência, formalismo ou informalismo?), o que o motiva para trabalhar (é mais a grana, é mais a segurança do empregos, mais o aprendizado, mais a aprovação pessoal ou a autorrealização?).
E no currículo, a pessoa deve dar falar de sua personalidade?
Sim, deveria haver uma parte no currículo em que a pessoa pode colocar quais são as principais características de personalidade. No livro, eu coloco as minhas: eu sou um sujeito mais agressivo, mais dominante, mas sou introvertido, sou fechado. Sou impaciente e muito detalhista. Quem lê uma coisa dessas e procura uma pessoa mais sociável não vai me chamar. Qual é o problema disso? Quem me contrata o faz porque sou uma pessoa crica, e não porque sou amável.
O que fazer se as empresas não estiverem preparadas para tanta sinceridade?
Se a pessoa tem um bom histórico profissional e é muito boa, ela deveria dar graças a Deus de descobrir que a empresa não está preparada. Haverá outras oportunidades. Se ela está começando a carreira e não tem tanta coisa para mostrar por enquanto, pode falar menos e entrar na empresa para aprender, consciente dos riscos que está correndo. Claro que não vale a pena se a empresa for muito diferente dela.
http://blogs.estadao.com.br/radar-do-emprego/o-candidato-a-um-emprego-precisa-se-conhecer-bem/