Aos 22 anos, o então estudante de administração gaúcho Marcio Sobiesiak tinha de fazer malabarismos para conciliar a rotina de bancário, durante o dia, com a faculdade, à noite, em Caxias do Sul. Com salário de 1 000 reais, Sobiesiak arcava sozinho com a mensalidade do curso e os custos de moradia. Não sobrava nada para lazer, viagens ou mesmo para uma poupança modesta. Passados três anos, hoje ele tem um salário fixo superior a 5 000 reais e bônus anuais que podem chegar a 60 000 reais. Sobiesiak faz parte do time de 80 ex-trainees que trabalham no grupo Unicasa, sediado na cidade gaúcha de Bento Gonçalves e dono das marcas de móveis sob medida Dell Anno, Favorita e New. Atualmente, 85% dos 54 supervisores de venda do grupo vieram das 16 turmas formadas desde a criação do programa de trainees, em 2007. Assim como Sobiesiak, outros dois ex-integrantes do programa já ascenderam ao cargo de gerente. “Tenho de viajar pelo menos uma vez por semana para visitar lojistas no interior”, diz Sobiesiak, que mora em Manaus desde outubro de 2009, quando se tornou o gerente responsável por 16 pontos de venda instalados na Região Norte.
Para a Unicasa, a criação dessa linha de produção em massa de novos profissionais – em média, são cinco programas de trainees por ano – tornou-se o alicerce para a expansão dos negócios. De suas cerca de 1 000 lojas espalhadas por todos os estados brasileiros, mais da metade abriu as portas nos últimos três anos – desse total, algo como 400 foram inauguradas por ex-trainees. Nesse período, o faturamento da Unicasa cresceu 150%, alcançando 400 milhões de reais em 2009. “Só um programa de formação de pessoas desse tipo poderia sustentar o ritmo de crescimento que planejávamos”, afirma Frank Zietolie, presidente do grupo.
Foi com a chegada de Zietolie ao comando da empresa, em 2006, que o projeto nasceu. Aos 37 anos de idade, ele assumiu o lugar de seu pai, Juvenil, um dos fundadores da empresa. (Hoje, 80% das ações da Unicasa pertencem ao empresário gaúcho Alexandre Grendene, dono de fábricas de calçados que levam seu nome.) Representante da segunda geração de herdeiros da companhia fundada em 1985, Zietolie trabalhou por 20 anos na Unicasa antes de assumir o cargo. Uma de suas primeiras medidas foi demitir os dois únicos diretores do grupo – um executivo e um da área comercial -, que estavam na empresa havia duas décadas. Para substituí- los, contratou profissionais bem mais jovens – com a mudança, a idade média da diretoria caiu de 45 para 30 anos. “Precisávamos tornar a área comercial mais agressiva e motivar as pessoas a dar resultado”, afirma Zietolie. Foi então que surgiu a ideia de um programa de trainees, elaborado em parceria com o consultor paranaense Eduardo Ferraz. “Esse seria um passo fundamental para criarmos uma empresa com cultura de metas arrojadas e política de bônus agressiva, parecida com a da AmBev”, diz Zietolie.
Desde a primeira turma, iniciada em janeiro de 2007, a seleção dos trainees é executada internamente, em cinco etapas. Cada um dos cinco programas anuais começa com a seleção pela internet. Dos cerca de 4 000 currículos que chegam à empresa, aproximadamente 600 são escolhidos. Os selecionados para a segunda etapa fazem um teste de perfil. Desses, cerca de 80 são aprovados para uma dinâmica de grupo. Os 30 melhores são entrevistados pelo diretor de gestão de pessoas, Marcelo Rossi. Finalmente, o último grupo – entre dez e 15 candidatos – conversa com o próprio Zietolie, que dá o aval final. “O perfil que dá mais certo é o de jovens vindos de famílias humildes e que querem ganhar muito dinheiro”, diz ele. Os escolhidos permanecem três meses em imersão na empresa – em 8 horas diárias de aula sobre planejamento estratégico, gestão de pessoas e assuntos jurídicos. As semanas de aulas são intercaladas com visitas à rede de lojas. Ao término desse período, os 75% dos trainees que, em média, permanecem até o final do programa partem para a ação e se transformam em supervisores, com salários próximos a 2 500 reais. Para quem atinge as metas, no entanto, o ganho é bem maior. Os bônus chegam a cinco salários adicionais por ano. No caso dos 15 gerentes, os extras podem chegar a até 12 salários a mais por ano.
As leis internas são draconianas. Um ranking com o desempenho dos supervisores é atualizado todos os meses na intranet da companhia e fica acessível a todos os funcionários do departamento comercial. A regra é clara: ficar três meses consecutivos abaixo dos objetivos significa demissão. “É preciso criar regras transparentes tanto de premiação de bons resultados quanto de punição para a falta de empenho”, afirma Ferraz. Essa rigidez é especialmente importante, segundo o consultor, porque se trata de um grupo de jovens com bastante autonomia e que normalmente ficará baseado longe da matriz. Cerca de 30 dos ex-trainees contratados já foram demitidos por maus resultados até hoje – o caso mais extremo foi o de um jovem que, em vez de viajar por cidades do interior nordestino para procurar novos lojistas para a rede, tirou 15 dias para desfrutar férias fora de época num resort no litoral. Sem trabalho, sem metas atingidas. Foram suas últimas férias como funcionário da Unicasa.
Um banco de reservas de trainees é outro mecanismo usado pela companhia para manter a pressão por bons resultados. A ideia é separar de dois a três profissionais de cada turma para permanecer fora da linha de frente, em outras áreas na própria matriz. “Se um supervisor não bate a meta, sabe que tem um trainee cheio de garra no banco de reserva, pronto para pegar seu lugar”, diz Zietolie. A mesma coisa acontece com os gerentes. “Há sempre dois ou três supervisores em treinamento prontos para tomar o lugar de gerentes que não produzem.” Com o rápido ritmo de crescimento de sua rede, porém, a Unicasa não tem conseguido manter o banco de reservas por mais de duas semanas.
Ao expor publicamente os resultados alcançados pelos recém-contratados e manter um banco de trainees em prontidão, Zietolie busca criar um clima de constante competição. “No curto prazo, esse tipo de dinâmica pode trazer sucesso. Mas, se a competição não for bem administrada, poderá ser insustentável no médio prazo”, afirma a consultora Sofia Esteves, da DM Recursos Humanos. Para o empresário, esse é um risco que não deve afetar sua estratégia. Zietolie espera que, nos próximos anos, o programa de trainees se torne a maior fonte de profissionais também para as próximas gerações de diretores da companhia – inclusive a presidência. “Quero criar um ambiente que funcione 100% de acordo com a meritocracia”, diz. “Se um dia algum deles for melhor que eu, poderá tomar o meu lugar. E isso será natural.”
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0970/noticias/garotada-quem-manda-567148
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